O caótico ATO Nº4:



Contou cada gota no fundo do copo de café amargo. Sobraram vinte e cinco gotas do principal motivo da sua insônia.

Um copo e vinte e cinco gotas sem açúcar a colocaram na rua às cinco e meia da manhã. Se não fossem pelos trabalhadores que saíam de suas casas suas únicas companheiras seriam as fiéis pombas que patrulhavam as ruas naquela manhã.
Observava atentamente cada passo de cada um que passava. Imaginava o que acontecia por trás daqueles rostos cansados. Imaginava cada segundo de fome, cada gota de suor, cada gota de sangue. Entenderia se fossem problemas fúteis, mas o único problema era o ar da futilidade que tinham ganhado.
Sentou-se na esquina, esperando que a inspiração chegasse por meio de pensamentos alheios. Roubaria qualquer idéia que se passasse em uma das centenas de mentes geniais que iam em direção ao ônibus que as levaria para seu emprego. Faria dessa idéia uma obra prima que retratasse toda a angústia vivida por aqueles que por ali andaram.
Os rostos cansados foram sumindo, dando lugar a pessoas de terno, sorriso branco e celular no ouvido. O sol começou a aparecer, tímido e opaco. O menino que dormia na rua começou a despertar e pedir esmolas para homens que fingiam que ele não existia. O choro da criança, o latido de fome, as janelas quebrando, sirenes tocando, pessoas brigando, caos reinando. E os homens de gravata passando, como se nada estivesse acontecendo.
Caos reinando, caos reinando... E ela estava todo esse tempo sentada ali, na esquina. A essa altura o sol já havia queimado seu rosto.
E as pombas continuavam patrulhando.
Mais uma sirene, mais um tumulto, mais um assalto. Moça branca, estatura mediana e maquiagem no rosto, como constava no boletim. A mulher não reagiu, a polícia não agiu e mais uma vida se foi. Um dos assaltantes levou trinta reais, o trocado do ônibus e o peso de viver com um assassinato nas costas. O outro foi preso, pegou dez anos de cadeia. O tumulto se desfez e cada um que ali estava logo se esqueceu do que tinha acontecido.
O sol agora estava bem no topo da cabeça dela, mas ela não se importava mais. Levantou a cabeça e viu um casal se beijando no portão esverdeado do outro lado da rua. A mulher estava arrumada, indo provavelmente pro trabalho. O homem, ainda de pijamas, a beijou e disse "Eu te amo". Fechou a porta e viu sua mulher partir. Cinco minutos depois outra mulher tocou a campanhia. O mesmo homem a cumprimentou com um beijo na boca e com um sorriso a chamou para entrar. Quer dizer então que nem de amar de verdade o homem tem coragem?
Algumas nuvens surgiram perto dos morros que apareciam atrás dos grandes muros da rua. Um homem sem uma de suas pernas vendia balas no sinal. Tinha seu discurso ensaiado, comovia todos que passavam. Dizia que vinha da favela e tinha três filhos pra criar. Não tinha o que comer, não tinha trabalho. Ganhava cem reais por dia e todos os cem ficavam no bar. Cliente assíduo, o rapaz sem perna tomava whiskey todo dia.
Agora o sol já ia sumindo, a lua clareava o caminho dos trabalhadores voltavam cansados de sua rotina. O barulho dos trens, as buzinas dos ônibus, os choros, as sirenes, os beijos, os tiros, o sangue... Tudo soava como "eternidade".

As pombas esvoaçaram rapidamente ao som de uma motocicleta em alta velocidade. Ela então, percebendo que suas companheiras haviam deixado sem nem dizer adeus, deixou a esquina. O fim do dia havia mostrado que nem as pombas são fiéis.
Voltou para casa, imaginando como pode deixar que apenas um copo e vinte e cinco gotas de café tirassem o seu sono algumas horas antes. Deitou-se, cobrindo o rosto. “Talvez a escuridão apague tudo isso”, pensou. Fechou os olhos e por alguns minutos se manteve consciente. Virou-se e sonhou com o fim dessa eternidade.

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* mal ae pelos possiveis erros de português, lek.
* a foto eu peguei do blog do Lucas, da minha faculdade. Vale a pena dar uma olhada http://www.louco-pensador.blogspot.com