O utópico ATO Nº 2:

Tudo estava nas molduras pela parede. Não são todos os que conseguem transformar a vida em uma obra de arte, longe disso... A maioria apenas vive por viver, sem nem mesmo pensar em ter algo para retratar.


Ele retratava toda a sua vida, pausava todos os momentos felizes e os pendurava nas paredes daquela pequena casa. Não era difícil achar o motivo dos vários rolos de filmes usados e revelados para gravar as imagens mais bonitas que viveu. Em cada foto pendurada estava ela, sorrindo. O contraste entre os cabelos escuros e olhos claros chamavam atenção de qualquer um que passasse pela porta que ficava sempre aberta. Na maioria das fotos estava sobre a ponta dos pés, numa tentativa quase sempre frustrada de alcançar os lábios do rapaz que fazia par com ela nas fotos. Era impossível não relacionar aquelas imagens com as melodias e letras dos Carpenters, assim como era impossível acreditar que aquele casal não tinha saído de um romance best-seller.
A casa se camuflava no meio das grandes árvores que cresciam ao seu lado. As paredes de madeira estavam esverdeadas, assim como um grande tronco de árvore que repousava deitado na clareira em frente a varanda. O pôr-do-sol atravessava cada falha das paredes, iluminava cada parte do comodo voltado para o lado oeste. Sobre uma mesa estava a máquina fotográfica antiga que tremeluzia sob a iluminação fraca vinda do sol. Ao lado da mesa estava o rapaz, sentado no moisaico de pedras que formava o chão do aposento. Sua caneta corria rapidamente sobre um papel enquanto tantos outros se amontoavam amassados ao seu lado. Um violão branco refletia a luz que vinha das janelas, estava sobre um velho tapete lilás que nada tinha a ver com a decoração daquele quarto. A cena era estática, não era impossível comparar a atual realidade com as imagens que decoravam o quarto... Poderia muito bem tirar uma foto e a pendurar na parede. Ela se confundiria com todas as outras, se a ausência de sorrisos e da menina de cabelos escuros e olhos claros não fosse tão notável.
Mais um papel voou em direção a pilha, era impressionante como ele não conseguia encontrar as palavras certas para descrever o que sentia. Remexia todos os sentimentos, procurava por todas as palavras, repetia mentalmente todos os significados possíveis para todas as frases que conseguia imaginar. Pegou a primeira garrafa na prateleira e despejou o resto do seu conteúdo em um copo. Tomou em um só gole e voltou a escrever.



"Todos esses anos me mostraram o prazer que é a vida. Não são todos que conseguem transformar a vida em uma obra de arte, longe disso... A maioria apenas vive por viver, sem nem mesmo pensar em ter algo para retratar. Meu retrato mais bonito pendurado no lugar mais chamativo é o que você aparece sozinha, dando um sorriso para o fotógrafo. Lembro-me até hoje do dia em que tirei a foto, seus olhos brilhavam como as estrelas que nos abençoavam naquela noite. O cantor do bar dedicou aquela música para nós e ainda posso ouvir as notas ecoando em meus ouvidos. Você me disse o quanto eu era especial, e eu te disse que você era a minha vida. Não estava mentindo, minha vida é você. Fiz da minha vida uma obra de arte... Em determinado ponto o artista sente-se obrigado a terminar a obra e cada pincelada a mais se torna algo sujo, que interfere na harmonia daquela imagem. Assim então acabo com minha obra prima, pois quero que a imagem que tenha de mim seja a mais bonita possível. Pararei de dar pinceladas a mais, ficaremos por aqui então."



Dobrou cuidadosamente o papel e colocou em cima do tapete lilás. Fechou a porta da frente e voltou a se sentar no chão gelado de pedra. O sol ia desaparecendo lentamente, os sons dos pássaros pareciam mais distantes, até que tudo tinha acabado. Ele não via mais nada, não escutava mais nada e não sentia mais nada.

No dia seguinte algumas batidas na porta tiraram a tranquilidade do lugar. O sol brilhava em cima da casa, os pássaros voltaram a cantar. A garota de cabelos escuros estava parada em frente a porta, aparentemente ansiosa. Deu mais três batidas e não obteve resposta, então entrou e estranhou a calmaria. Estava tudo fechado dentro da casa, a iluminação era fraca, vinda do sol que lutava para ultrapassar as falhas no telhado. Encontrou o rapaz pendurado em uma corda, seus olhos já não brilhavam mais. As pernas dele balançavam junto com o barulho do relógio que contava os segundos. Seus pés apontavam para o papel que esperava em cima do tapete lilás.
Se um fotógrafo tirasse uma foto neste momento, seria impossível acreditar que a cena não tinha saído de um conto do Edgard Allan Poe. A luz que entrava com dificuldade fazia com que as sombras se alongassem e tomassem conta de todo o quarto. O cheiro era terrível... e só nessa situação era possível perceber como todas aquelas imagens penduradas nas paredes eram macabras. A garota de olhos claros e cabelos escuros chorando no canto do quarto não fazia com que a cena se tornasse mais bonita.
Foi ai então que ela percebeu o quanto demorou para pedir desculpas.

(continua)
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2 comentários:

  1. Você é boa demais, criatura u.u
    Até fiz uma citação no meu último post... xDDDD

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  2. Muito bom o texto.
    só não gostei do final feliz... uAHuaHuAHAuAhuAHua...

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